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[ARGENTINA] DIANTE DA ARMADILHA ELEITORAL, APROFUNDAR A LUTA POPULAR

Nota de conjuntura traduzida da Federación Anarquista de Rosário – FAR
Agosto 2023

Estamos diante de um contexto nacional marcado, inevitavelmente, pelo cataclisma económico, simultaneamente promovido por este governo e pelo recente processo eleitoral -ainda sem resultado-, com setores liberais-reacionários avançando e com um colapso sem precedentes do peronismo.

Em primeiro lugar, o cenário proposto pelo governo Massa que é quem realmente tem o leme das políticas neste contexto- é determinado por um “esfriamento” da economia. O primeiro sinal disso tem a ver com a gravíssima desvalorização de 22%, em parte devido à pressão do FMI independentemente do resultado eleitoral, e em parte devido à insustentabilidade da política monetária pensada pelo Ministério da Economia.

Diante dessa desvalorização abrupta (que nos lembra a de Kicillof em 2014 de 23%, ou a de Macri de 50% em 2019), não há paridade ou aumento de planos que dê conta da escalada de preços que está por vir. Considere que, diante disso, a inflação pode chegar a 10% ao mês, levando a taxa interanual acima de 150%. A cesta familiar (hoje $ 323.000 de acordo com o ATE Indec) certamente explodirá em algumas semanas, o que piorará as condições de vida dos setores populares em todo o país no curto prazo.

Por outro lado, vale destacar o aumento da taxa de juros para 118% proporcionado pelo Banco Central. O objetivo da entrada é que as pessoas não comprem dólares e continuem colocando dinheiro nos bancos a prazo. Mas estas medidas, inevitavelmente, acabam com a possibilidade de concessão de créditos, empréstimos e subsídios, para os quais o sector privado, nomeadamente as pequenas e médias empresas, sem crédito, optarão por cortar o fio mais fino: cortar funcionários e congelar salários .

O objetivo do governo é que a economia se mova o mínimo possível, sem surpresas, algo para chegar ao fim do mandato com governabilidade. Massa, Alberto e Cristina não querem avançar na transição como aconteceu com Alfonsín-Menem, muito menos fugir do governo como aconteceu com a Aliança. O bloco político governista já sabe que o peronismo unido nunca na história ultrapassou o piso eleitoral de 30% ou atingiu esse nível de desgaste institucional.

Mais uma vez, as eleições revelam o que não é debatido abertamente na mídia: a democracia representativa -ou “democracia burguesa”- nunca deixou de ser um sistema imposto e de imposição institucional, um sistema que dificulta e reduz as possibilidades de construção coletiva. Um sistema que de alguma forma prepara cenários indesejáveis ​​para o povo, mesmo quando o povo deve “escolher” entre opções antagônicas aos seus interesses. O ponto culminante disso tem a ver com o resultado eleitoral, que esboça a possibilidade de um segundo turno entre dois setores antipopulares e antidireitos, como Milei e Bullrich, reunindo entre os dois são quase 50% dos votos nas PASO, as eleições primárias argentinas.

Com relação a essa complexidade política em nível nacional pela qual estamos passando, vamos contribuir com o que mencionamos em análises anteriores. Que não existem soluções mágicas. Que os processos sociais, políticos, culturais e sobretudo ideológicos são de anos, não meses antes das eleições. É como querer estudar no mesmo dia da prova e fingir que passou na matéria. Se durante os 364 dias em que não há eleições não há um contexto e um meio transformador e revolucionário para reverter as condições calamitosas em que vivemos como povo, dificilmente as coisas serão diferentes.

“As pessoas estão cansadas” é o que frequentemente se ouve. E há realmente um esgotamento do modelo democrático-representativo, onde a opulência com que vivem legisladores, presidentes e juízes contrasta com a fome que aparece em cada mesa, em cada geladeira das famílias por todo o país. Se os setores reacionários, ultraliberais, evangélicos e ultranacionalistas avançaram e têm maior alcance social, é por um retrocesso na militância popular de grande parte da esquerda, do progressismo e dos setores mais humanistas do peronismo . Isso também se reflete no alto índice de abstenção eleitoral e no volume de votos em branco e nulos em quase todas as províncias. Centenas de milhares de pessoas são forçadas a votar e não veem saída para isso. A lógica de que “as mudanças vêm de cima” abriu caminho para o descontentamento, canalizado em muitos casos pela direita reacionária. A surpresa com o “fenômeno Milesi” por parte da militância política e dos setores médios é diretamente proporcional ao distanciamento das construções populares dos setores populares. A passividade de inúmeras lideranças sindicais e movimentos sociais também fez seu trabalho. A “trégua” oferecida a Alberto-Cristina-Massa por essas lideranças acaba por expor um clima social de descontentamento canalizado por setores reacionários, que por sua vez competem para ver quem tem a receita para acelerar o ajuste contra o povo.

Enquanto isso, em cada bairro avança o narcotráfico e a violência social que engole a vida de nossas crianças, enquanto isso se aprofunda a luta de pobres contra pobres, bem refletida no esclarecedor documento da FAU de 2010 “Fragmentação e a nova pobreza”. Paralelamente nos locais de trabalho, para além da constante -e exaustiva- luta pela reabertura das paridades, prevê-se um cenário de demissões e suspensões, no quadro de um ajustamento exigido pelas câmaras patronais, que tem como um corolário uma reforma trabalhista.

Independentemente do que aconteça nesta eleição, na próxima, em cada eleição, será fundamental redobrar os esforços militantes dos setores ou correntes que, de uma forma ou de outra, anseiam por uma sociedade sem opressores ou oprimidos. A energia deve ser colocada a serviço da resistência organizada. O resto é continuar esquivando-se do problema de fundo e cair naquele “curral de galhos” que são as eleições, como gostava de chamar o velho Mechoso. Devemos humildemente constatar que a única saída é fortalecer as organizações populares, com as quais em cada período da história conquistamos as principais reivindicações populares e freamos as diversas tentativas de retirada de direitos e reajustes. Esta estratégia marcará, a longo prazo, o avanço para um processo de ruptura revolucionária, contra um sistema de opressão que não se salva nem remenda, nem com mais mil eleições.

No curto prazo, é fundamental levar para a rua as lutas salariais, pelas condições de trabalho, em defesa dos empregos, por melhores condições de vida nos bairros. Recentemente houve greves da UOM – Unión Obrera Metalúrgica, dos trabalhadores da saúde, do estado, dos motoristas da UTA – Unión Tranviarios Automotor. A solidariedade com este tipo de conflito é fundamental. Também é preciso, a partir da luta, cortar o vínculo entre os dirigentes sindicais estagnado com o aparato eleitoral –em geral massista- que vem postergando a ação direta, em favor de uma trégua autodestrutiva para os de baixo. É prioritário criar um “clima de revolta” dada a gravidade do que realmente está acontecendo lá embaixo. Por muito menos se saiu para protestar contra a Aliança ou Macri. “Esperar o novo governo” é, em última análise, hipotecar a resistência, quando já é tarde e os setores dominantes têm força e legitimidade para esmagar a luta popular. A solidariedade com os conflitos sindicais, comunitários e sociais, oferecendo um quadro multissetorial ou intersindical, promoverá a articulação para enfrentar esse ajuste e preparar o terreno para o que vem em dezembro, que certamente será o aprofundamento daquilo que marca os interesses da classe dominante e do FMI.