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Dossiê Maisonnave – a impunidade tem sobrenome

 

produzido pela Federação Anarquista Gaúcha

1. APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ

No dia 18 de outubro de 2022, indígenas Kaingang e Xokleng retomaram a área de um terreno abandonado no Morro Santana, que pertenceria formalmente à Maisonnave Companhia de Participações, reivindicando o espaço como de uso tradicional kaingang e xokleng e denominando o território como Retomada Gãh Ré.

A empresa Maisonnave Companhia de Participações ajuizou pedido de reintegração de posse, distorcendo fatos e empregando uma narrativa caluniosa contra os povos indígenas, alegando, dentre outras acusações, que “a invasão foi planejada por uma legítima organização criminosa”.

A Federação Anarquista Gaúcha (FAG), organização que compõe o grupo de apoio a retomada Gãh Ré, através destse dossiê, apresenta ao público uma série de irregularidades, fraudes e crimes cometidos ao longo da história pelo Grupo Maisonnave, a verdadeira organização criminosa que lesou de diversas formas a população brasileira e sempre saiu impune.

 

  1. A FAMÍLIA MAISONNAVE E A ÍNTIMA RELAÇÃO COM OS MILITARES 

O jornalista Francisco Oliveira, em 1986, publica o livro “O Roubo é Livre”  com denúncias sobre os grandes escândalos dos chamados crimes de “colarinho branco”, dando sequência às reportagens que já havia publicado em “O Estado de São Paulo” e “Jornal da Tarde”. Dentre vários escândalos, o livro traz a público os escândalos financeiros e fraudes cometidas pelos bancos Maisonnave, Sulbrasileiro, Auxiliar, Comind, dentre outros, que acarretaram na liquidação dessas instituições em 1985. A maior parte dos fatos a seguir estão narrados no livro.

A ligação da família Maisonnave com o mercado financeiro atravessa gerações. Na década de 1920, Vinicius Maisonnave fundou a Maisonnave Corretora, e presidiu por anos a Bolsa de Valores do Extremo Sul, sediada em Porto Alegre.

Foi na década de 1960 que Roberto de Moraes Maisonnave, filho de Vinicius, entrou para o negócio da família. Com sua expertise, os Maisonnave passam a atuar como consultores para assuntos financeiros do Montepio da Família Militar (MFM). Fundado em 1963 por um grupo de oficiais do exército, o Montepio da Família Militar foi um sistema de previdência privada. Três anos depois de sua fundação, a iniciativa já contava com mais de 130 mil associados, entre civis e militares, atraídos por seus generosos planos de aposentadoria privada e pensão, tornando-se rapidamente uma “máquina de fazer dinheiro”. 

A fachada do número 120 da rua Voluntários da Pátria até hoje guarda resquícios da antiga antiga “Sociedade Maisonnave Representações”

 

 

Anúncio em jornal da Maisonnave Distribuidora evidencia o histórico de “46 anos de experiência no mercado de capitais” a relação com o MFM

O Golpe Militar de 1964 foi um fator importante para o crescimento da entidade, que era dirigida por generais e coronéis. O comandante do III Exército, General Justino Alves Bastos, chegou a ser empossado na Presidência de Honra do MFM. Na ocasião, em 24 de novembro de 1964, saudou o Montepio, enfatizando sua “grande admiração” pela “generosa obra social” realizada pelo MFM: “Chego a pensar que a passagem pelo Colégio Militar de Porto Alegre impregna seus mestres e alunos de uma mística força insuspeitada”.

Como os militares não entendiam de mercado financeiro, aconselhavam-se com corretores e especialistas. A Maisonnave Corretora foi uma delas, intermediando as negociações de bancos comprados pelo MFM. Roberto Maisonnave foi um importante conselheiro dos militares, e José Antonio Carchedi, seu funcionário (e depois sócio) foi um dos principais elos de ligação entre os militares do MFM e o empresariado do setor financeiro. 

Em 1966 é fundada a Maisonnave S.A – Crédito, Financiamento e Investimento, com a fusão do MFM e da Maisonnave Investimentos

O MFM prometia a seus associados privilégios que historicamente são vedados aos civis, como as altas somas previstas no soldo, na aposentadoria e nas pensões dos altos escalões do estamento militar e suas famílias. Com o sonho de receber aposentadorias e pensões dignas de oficiais do exército, milhares se associavam diariamente ao MFM durante a ditadura militar, e com isso a entidade passou a comprar inúmeros bancos e empresas. Mas em pouco tempo, a entidade começou a apresentar diversos problemas financeiros (as despesas começaram a ser maiores do que a receita) que a impediam de pagar os benefícios. Como aponta a matéria do Brasil de Fato, levando milhões de brasileiros a perderem seu investimento “iludidos por militares” com essa experiência de previdência privada.

2.2 RASTRO DE SANGUE DEIXADO NO PARANÁ, DE MADEIREIRA FUNDADA PELO GRUPO MAISONNAVE

A questão fundiária está no coração da fraude que liga os Maisonnave a setores do empresariado e à ditadura militar. Vemos a continuidade disso nos empreendimentos em que a família Maisonnave se aventurou. Em 1972, através da empresa madeireira Maisonnave Giacomet (que posteriormente foi denominada Araupel), Roberto Maisonnave liderou a compra de um imóvel com área de mais de 114 mil hectares de terras no sudoeste Paraná, que pertenciam a família Ermírio de Morais, por por US$ 30 milhões. Roberto Maisonnave propôs ao MFM a compra da área em sociedade. A princípio os militares não concordaram, mas aceitaram financiar a operação.

As terras possuíam uma densa floresta de araucária e erva-mate, além de outras madeiras nobres, que estão documentadas no Processo ADIM/INCRA nº 21500.000994/96-91 de 1996. O latifúndio está muito próximo das duas das maiores terras indígenas do Paraná, a Terra Indígena Rio das Cobras e a Terra Indígena de Mangueirinha, onde vivem mais de 4.000 indígenas das etnias kaingang e guarani.

A chegada da madeireira na região acirrou os conflitos fundiários entre indígenas e camponeses que ali viviam com os ditos proprietários da área, que chegou a ser considerada o maior latifúndio contínuo (mais de 100 mil hectares) que existia na região Sul do Brasil até os anos 1990, evidencia a pesquisa de Ana Cristina Hammel (2020):

O jornal Estado de São Paulo, no dia 20 de janeiro de 1977, publicou notícias de conflitos entre os indígenas e posseiros na Terra Indígena Rio das Cobras, em Laranjeiras do Sul. No corpo do texto apareceu, de forma secundarizada, o indicativo de conflito com a madeireira. […] No dia 23 de fevereiro de 1977 o mesmo jornal publicou matéria sobre a retirada dos posseiros com auxílio da madeireira, que se dizia dona de cerca de 300 hectares de terras dentro daquela Reserva Indígena, adquiridas durante o governo de Moysés Lupion. A reportagem trazia ainda o caso de Jerônimo, Kaingang, que foi sequestrado e torturado pelo chefe da Funai, para obter informações sobre a rebelião indígena. 

Os casos envolvendo as madeireiras, os povos indígenas e os posseiros são recorrentes. O documentário Giacomet Marodin: uma história de violência e devastação traz uma série de depoimentos de pessoas que trataram da relação entre posseiros e a empresa. Destacamos as ações violentas contra crianças e pessoas que ultrapassavam as cercas para pescar ou caçar em áreas ditas da empresa. O documentário também denuncia o desmatamento das florestas nativas e o desrespeito ao manejo responsável da área. 

A pesquisa de Hammel comprova a partir do histórico, certidões e transcrições, a passagem de um patrimônio público para o domínio privado, numa área de proteção nacional, cuja função social da terra foi desconsiderada em função dos interesses de grupos de exploração da madeira para acumulação de capital e especulação financeira. A partir dos anos de 1973 a Giacomet Marodin/Araupel S.A. fez vários empréstimos junto aos bancos e financeiras como o Banco Maisonnave, Banco Sulbrasileiro, Banco Bamerindus (todos eles envolvidos nas fraudes que serão narradas na seção seguinte). 

Nas escrituras e transcrições de registros nem sempre aparecem os valores e, em alguns casos, consta apenas o que foi dado em penhor ou como forma de hipoteca. Considerando os dados levantados nas escrituras, não é difícil constatar a presença do capital financeiro tendo a terra e os recursos dela provenientes como contrapartida. Os valores dos empréstimos somados resultaram num montante de R$ 30.974.582,22 (trinta milhões, novecentos e setenta e quatro mil, quinhentos e oitenta e dois reais e vinte dois centavos).

2.2 AS FRAUDES NO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

É conhecida a quebradeira que atingiu as grandes instituições financeiras nos anos 1980, que estão muito bem documentadas no Blog Grandes Fraudes, como o Sulbrasileiro, Comind, o Auxiliar, o Maisonnave e o Brasilinvest, que até hoje tem ex-clientes que reclamam ter perdido seus investimentos enquanto os proprietários das instituições seguem impunes.

Em 1971 é fundado o Banco de Investimento Nacional do Comércio (BINC). Em retribuição aos serviços prestados aos militares do MFM, Roberto Maisonnave recebeu a participação acionária majoritária na instituição. Da mesma forma, Maisonnave retribuiu Carchedi pela colaboração no relacionamento com os militares do MFM, dando a ele uma participação de 10% na nova empresa. A partir de 1973, entrou na sociedade o Banco Sul Brasileiro, eliminando a condição majoritária de Maisonnave. Como contrapartida pelo capital investido no BINC, Roberto e Carchedi foram contemplados com cargos na diretoria da instituição, junto aos militares. Carchedi tinha uma íntima relação com Maisonnave e ficou conhecido por coordenar um complexo esquema de corrupção envolvendo o MFM, diversos bancos (Sulbrasileiro, Maisonnave, Habitasul, Auxiliar…), e empresas do ramo imobiliário.

Em 1973 o Grupo Maisonnave compra o BMG – Banco de Investimento (de Minas Gerais), que tinha um Patrimônio Líquido de US$ 16 milhões. Em 1974 ocorre uma das primeiras fraudes de Carchedi que se tem documentadas, com o desaparecimento de 1353 toneladas de perfilados de aço, importadas da Argentina de forma irregular. Em 1975 a Maisonnave Companhia de Administração e Participações Societárias transformou-se em Ciapar – Companhia de Adm. e Part. Soc., tendo como um dos diretores José Antonio Carchedi.

O MFM apresentava, em uma de suas fraudes mais comuns, o seguinte modus operandi: assumiam a compra de empreendimentos em dificuldades e de viabilidade discutível, incorporando, por exemplo, diversos bancos e projetos imobiliários falidos, utilizando recursos que eram captados do dinheiro investido por seus associados em seus planos de pensão e aposentadoria. 

O dinheiro era movimentado de empresa a empresa, e utilizado principalmente na compra de bens imóveis, que eram apropriados de forma fraudulenta. Era íntima a relação do MFM com empresas ligadas à especulação imobiliária na cidade de Porto Alegre, envolvendo uma complexa e nebulosa triangulação entre bancos, construtoras e empresas do ramo imobiliário. As fraudes na compra de imóveis envolviam cheques sem fundo, liberação de recursos sem as assinaturas necessárias e empréstimos que nunca eram quitados. Estas movimentações escapavam da fiscalização do Banco Central do Brasil.

Estão muito bem documentados no livro de Oliveira (1985) os escândalos de corrupção e desvio de recursos envolvendo o Banco Maisonnave junto ao Montepio da Família Militar, assim como o Banco Sulbrasileiro, o Banco Habitasul, dentre outras empresas que também sofreram intervenção e foram liquidadas pela justiça em 1985. Com a justificativa de salvar os bancos, empréstimos com dinheiro  público foram feitos e nunca foram pagos. Como sempre, temos os bancos privatizando os lucros e socializando as dívidas.

Durante dez anos, os bancos falsificaram números para esconder que estavam quebrados. Os dados de balanços foram escandalosamente fraudados para encobrir uma instituição arruinada, que não tinha dinheiro para pagar suas dívidas. É possível que tenha sido a maior e a mais duradoura farsa da história financeira do país. O Banco Central encontrou diversas irregularidades nas contas dos bancos, dentre elas: aprovação de créditos a empresas sem exigir as garantias necessárias, empréstimo a juros baixos para empresas de outros grupos financeiros e contabilizaram negócios entre as empresas dos grupos para “enfeitar os balanços”.

Em 1977 surge o Banco Maisonnave com a aquisição da R.M. Maisonnave Part. Empreend. Imob. da carta patente do Banco SPI, de SP.

De acordo com a Ata 0626 do Conselho Monetário Nacional realizada em 27 de novembro de 1997 (p. 71) verificamos que a Maisonnave Companhia de Participações integrou o “Grupo Maisonnave”, que foi liquidado extrajudicialmente após crimes contra o sistema financeiro nacional. O saldo da dívida acumulada dos bancos Auxiliar, Banco do Commércio e Indústria de São Paulo (COMIND), e Maisonnave em 27 de novembro de 1997 era equivalente a R$ 406.046.444,75, de acordo com a mesma ata.

A falência do banco Maisonnave junto ao COMIND e Banco Auxiliar, em 1985, causou um rombo de 6.836.000.000.000 (6 trilhões e 836 bilhões) de Cruzeiros, dinheiro que na época “era suficiente para construir 390.851 casas populares, equivalente a cerca de 5% de todo orçamento da União” de acordo com o Jornal do Brasil, 20/11/1985:

Recorte do Jornal do Brasil, 20/11/1985

Os bancos Auxiliar, Comind e Maisonnave pegaram emprestados 455 milhões de dólares de fora do país e ainda o Grupo Maisonnave recebeu US$ 20 milhões do Banco Central numa linha de redesconto para recompor o pagamento de aplicações. Em face da dívida, Roberto Maisonnave tentou uma negociação com o American Express com o objetivo de torná-lo sócio do Banco de Investimento do grupo. Fracassando tal negociação em função do veto do Banco Central à assinatura do protocolo, no dia 19 de novembro de 1985 foi decretada a liquidação extrajudicial do Grupo Maisonnave (no mesmo dia foi decretada a liquidação do Comind e do Auxiliar).

Recortes do Jornal do Brasil, 20/11/1985

Tamanho foi o escândalo à época, que o ocorrido foi citado pelos Constituintes na Assembléia Nacional Constituinte de 1987, na Subcomissão do Sistema Financeiro e a Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças:

e os “Maisonnaves” da vida? E os bancos que quebraram e que, de repente, o próprio Poder Executivo volta-se, como pai carinhoso, para ajudar a um filho pródigo e gastador, e o levanta, e o ergue.

 A Nação não pode esquecer que tiramos do Tesouro Nacional um bilhão de cruzados para tapar o rombo causado pelo Sulbrasileiro, ou seja, por banqueiros irresponsáveis e que não estão na cadeia Também não estão na cadeia os responsáveis pelas fraudes havidas na Haspa, na Colmeia — não quero falar aqui nos mais recentes: Maisonnave, Auxiliar, Comind. A incúria administrativa é o dolo, não há que ser também preservado, sobretudo para que possamos criar uma Nação moderna e, aí, sim, falar-se em liberdade. A Liberdade não está no direito de o maior tomar do menor. (Walmor de Luca, 1987). Fonte: Assembleia Nacional Constituinte.

Ata 0626 do Conselho Monetário Nacional realizada em 27 de novembro de 1997
  1. A CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS DA FAMÍLIA MAISONNAVE

Após a liquidação do Banco Maisonnave, Roberto passou a investir em empreendimentos de energia elétrica, e hoje preside o grupo de empresas que atuam na administração de seu patrimônio imobiliário, no comércio e representações, mineração e energia. 

O Grupo Maisonnave tinha influência nos poderes públicos a nível municipal, estadual e federal, fazendo lobby pela privatização das empresas de energia, como podemos observar na denúncia feita em 1993, pelo então vereador Guilherme Barbosa: “denuncio desta tribuna que o Governo Collares está negociando com o grupo do Sr. Roberto Maisonnave a venda de Centrais Hidroelétricas do Estado. Querendo privatizar, portanto, o setor de energia”. 

O próprio Roberto Maisonnave relata em livro que narra a história da APINE (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica), o papel que a associação de empresários cumpria em Brasília em defesa da privatização de empresas públicas de energia, como a Eletrobrás:

O Banco Pactual viu o mercado que estava se abrindo, organizou seminários sobre o mercado que estava por vir e juntamente com os bancos Bozzano, Simonsen, Icatu e Opportunity fizeram a primeira privatização de uma distribuidora estatal no Brasil. Para conseguir as autorizações das PCHs junto ao então Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), contratei a consultoria da Energética-Tech na pessoa de Mário Menel, seu presidente. Identificamo-nos muito, formamos uma grande parceria, ele com a técnica e eu com a coragem. Estava em tramitação no Congresso Nacional lei que regulamentava o produtor independente, com forte participação do então senador José Fogaça, do meu estado. […] Para esse trabalho no meu estado foi fundamental a ajuda do engenheiro Edu Machado, já falecido. De posse desse mandato, o senador passou a escutar a mim e ao Mário Menel, e depois de muitas discussões conseguimos que o diretor do DNAEE, José Said de Brito, concordasse em maior abertura com tempo determinado para entrada dos pequenos e médios consumidores de energia no mercado livre.

Lembro-me de uma reunião com a maioria dos associados presentes, na sala do ministro Rodolfo Tourinho, em geral muito solícito com nossas reivindicações. Em determinado momento, o senhor ministro levantou um assunto que feria de alguma forma os interesses corporativos do sistema Eletrobras. Havia entre nós um executivo, já aposentado do setor, que tomou a palavra e começou a discutir com o ministro, defendendo os funcionários do sistema; e nós sem sabermos como contornar a situação. Isso dito, o ministro retirou-se da sala, ato incontinente a que repreendemos duramente o nosso executivo. Com muito custo, conseguimos que o ministro retornasse e o executivo se retratasse. Visto hoje o incidente parece-me mais engraçado do que tenso, mas serve para mostrar como os valores das pessoas estavam envolvidos em nossa caminhada, voltada à criação de associação forte e unida, que falasse por todos desde o início.” (Roberto Maisonnave)

Em 2001 Marcelo Maisonnave (sobrinho de Roberto) fundou a corretora XP Investimentos na cidade de Porto Alegre. Em 2017, com os 120 milhões de reais que levantou na venda de suas ações da XP, Maisonnave criou a Warren, plataforma de investimentos. Em uma matéria sobre Marcelo Maisonnave, chama atenção comentário de uma cidadã lesada pelo Banco Maisonnave:

Comentário de cidadã lesada pelo Banco Maisonnave. Print de comentário da matéria: https://www.suno.com.br/tudo-sobre/marcelo-maisonnave/.

 

Essa continuidade dos empreendimentos da família, seguiu carregando consigo inúmeras denúncias de irregularidades. De acordo com a Apelação Cível: AC 70078616489 RS, nos anos 2000, a empresa Cenebra, controlada pela família Maisonnave negociou a compra das empresas Grapesul e Grapepar, porém não pagou o preço pactuado. Houve denúncias de que a família Maisonnave esvaziou o capital da Cenebra, dando uma nova denominação e transferindo sua gestão para laranjas cuja vida se investigou e que se apresentam como pessoas simples que jamais poderiam manejar empresa de tal porte. Houve pedidos para que a família Maisonnave seja condenada ao pagamento de R$ 14.920.102,34.

3.1 O EMPREENDIMENTO NO MORRO SANTANA

 Contemporaneamente, percebe-se a continuidade dos investimentos da família na especulação imobiliária na área retomada pelos Kaingang e Xokleng em 2022, onde se planeja construir um grande empreendimento imobiliário, com profundos impactos ambientais e vários indícios de irregularidades.

De acordo com a manifestação do Dr. Pedro Nicolau Moura Sacco do Ministério Público Federal (MPF) o nome Maisonnave Companhia de Participações, que consta na matrícula do imóvel “traz à memória a crise bancária que liquidou o sistema bancário privado gaúcho na década de oitenta”:

Aquela pelas dívidas junto ao BNDES, FINAME e FPS foi liberada pelos credores em 1992, sabe-se lá mediante qual expediente. O Grupo Maisonnave jamais devolveu ao erário as centenas de milhões de reais usados para pagar os seus credores. Vemos, portanto, na matrícula 31.300 o registro histórico de uma época sombria, cujos ecos ouvimos até hoje. Sim, o Banco Central jamais executou a hipoteca do imóvel do Morro Santana, ainda que fosse apenas como uma reparação simbólica ao sempre lesado contribuinte brasileiro. Diferentemente dos comuns dos mortais endividados junto a entes federais, os Maisonnave jamais foram incomodados por suas dívidas. Como coroamento desse passado sombrio, agora obtiveram junto ao Município de Porto Alegre as autorizações necessárias para erguer, numa das últimas áreas de mata preservada de Porto Alegre, um condomínio para 2.500 pessoas. Podemos olhar com desdém para o passado, quando isso acontece agora? (Dr. Pedro Nicolau Moura Sacco – MPF)

Nos anos 1970, a chácara integrou o complexo da pedreira Depósito Guaporense S.A, de José Asmuz. Entre os anos 1960 e 1970, o empreendimento minerário-extrativista resultou na transformação da paisagem e foi desativado por conta de denúncias que embasaram a Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público Estadual que afirma que, na “inexistência de licença por grande parte do tempo de funcionamento da empresa”, se exigia “responsabilidade objetiva por dano ambiental”. Em 2017, a mineradora Depósito Guaporense S.A e seu proprietário José Asmuz, já falecido, junto ao município de Porto Alegre, foram condenados (SENTENÇA 70009570490 2004/CÍVEL) ao pagamento de indenização pelos danos materiais e ambientais, sendo obrigados a apresentar um projeto de recuperação integral da área, o que nunca foi feito.

Analisando a matrícula do imóvel nº 31300, observamos que, ainda em 1981, o imóvel pertencente à Asmuz – Construções e Incorporações, foi hipotecado ao Banco Maisonnave. Em 1983, o Banco Maisonnave de Investimento autorizou o cancelamento das hipotecas do imóvel e este, inicialmente pertencente à Asmuz – Construções e Incorporações passou a ser parte do Banco Maisonnave de Investimentos. Hoje, consta que a propriedade do imóvel seria da Maisonnave Companhia de Participações (sucessora do Banco Maisonnave de Investimento S.A e da Maisonnave S.A. Crédito, Financiamento e Investimentos, de acordo com a matrícula). A matrícula comprova a evolução dessa dívida com o passar do tempo, tendo como devedora a Maisonnave Companhia de Participações, e como credores o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Agência Especial de Financiamento Industrial (FINAME), e o Fundo de Participação Social (FPS). 

Em 1987, o grupo Maisonnave hipotecou o imóvel como garantia de dívida contraída junto ao Banco Central do Brasil, no valor de Cz$ 782.997.000,00 (setecentos e oitenta e dois milhões, novecentos e noventa e sete mil cruzados novos), que corrigidos monetariamente perfazem R$ 206.911.117,14 nos dias atuais (duzentos e seis milhões, novecentos e onze mil, cento e dezessete reais e quatorze centavos). 

De acordo com o MPF, se o grupo Maisonnave houvesse pagado a dívida, não haveria averbado a extinção da hipoteca pela perempção. Assim, muito provavelmente tem-se o caso de uma empresa que não pagou vultosa dívida pública e não foi incomodada pelo credor, que não executou a hipoteca. Portanto, o imóvel, que seria próprio da União caso a hipoteca tivesse sido executada, permaneceu com o devedor, desimpedido para o loteamento. 

Em consulta ao Licenciamento Ambiental (LICENÇA PRÉVIA 017974) relativo ao projeto de empreendimento que buscava-se realizar na área, verificamos que solicitou-se desarquivamento através do processo SEI 19.0.000091543-5, para verificação do atendimento dos condicionantes da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM) do Parecer nº 95/2012 da Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (CAUGE), “em especial em relação a comprovação que a ação judicial com a determinação de indisponibilidade dos bens dos réus pelo Ministério Público Estadual referente às áreas do Morro Santana (antiga Pedreira do Asmuz e adjacências)”. 

Num primeiro momento, o empreendimento foi rejeitado pelo no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), com a argumentação contrária de vários conselheiros, que em reuniões afirmaram ser área de importância ecológica, histórica, com potencial arqueológico comprovado, Área de Preservação Permanente (APP), de expressiva cobertura vegetal, de recursos hídricos e de potencial cultural:

Presidente Cristiano Tatsch colocou o parecer favorável do relator em votação, o qual não foi aprovado, recebendo 9 (nove) votos favoráveis, 10 (dez) votos contrários, e 3 (três) abstenções (Ata 2541 de 26 de março de 2013).

Porém, mesmo com voto contrário do relator, o processo foi redistribuído a outra região de planejamento, conforme consta: 

Conselheiro Euclésio fez a leitura do artigo 22 do Regimento Interno, Parágrafo Sete, para referir que o processo deveria ser distribuído a novo relator. Presidente informou que o próximo da lista, com o voto contrário ao do relator, era a Região Um de Planejamento. Processo Redistribuído à RGP 1 (Ata 2541 de 26 de março de 2013).

Com o envio do projeto para nova região (RGP 1), o projeto foi aprovado com pouco debate: “Finalizadas as manifestações, o parecer favorável do relator foi colocado em votação e foi aprovado, recebendo 13 (treze) votos favoráveis, oito (oito) votos contrários, e 3 (três) abstenções. Processo aprovado” (Ata n.º 2545 de 23 de abril de 2013)

Diante da aprovação do projeto, considerada apressada – e com indícios de irregularidades – muitos conselheiros manifestaram preocupação, solicitaram que fossem realizadas diligências e que a discussão fosse refeita:

Conselheiro Eduíno (RGP 7) […] Informou sobre o processo da empresa Maisonave aprovado na última reunião, da pedreira, disse que posicionou-se contrário, opinou que a discussão deve ser refeita, referiu complicação com o BNDS e quanto à propriedade da área. Conselheiro Jorge (RGP 2) solicitou esclarecer que a sua manifestação da última reunião referente aos questionamentos sobre a data dos registros, de 1981, se deram como forma de alertar para a possibilidade de diferenças no tamanho do terreno, a qual pode inviabilizar a aprovação futura do projeto e dos licenciamentos. […] Conselheiro Heverson (OCDUA) […] Disse que foram feitas diligências ao local do empreendimento analisado pelo CMDUA na última sessão, na rua Natho Henn, e que o local tem condições inadequadas para a implementação de empreendimento. Opinou fundamental que os conselheiros realizem diligências para conhecer os locais analisados. Conselheiro Fernando (IAB) informou sobre as denúncias ocorridas no dia anterior, em relação aos apontamentos de irregularidades  em licenciamentos ambientais na capital. Opinou que haja vulnerabilidade do corpo técnico que avalia os projetos e que seria necessário revisar a forma das aprovações no Conselho, como forma de oferecer maior segurança aos conselheiros. Informou sua preocupação com a situação e opinou que o  CMDUA deva se manifestar sobre o assunto. […] Conselheiro Jakubaszko (RGP 1) sugeriu que todo o processo que tramitar no CMDUA e que não obtivesse posicionamento consensual, contasse  com maior tempo para a análise, em consideração a situação ocorrida na cidade quanto às denúncias e possíveis irregularidades.  (ata nº 2546 de 30 de abril de 2013 – CMDUA)

Somando-se a esses questionamentos, observamos que a empresa “Profil – Engenharia e Ambiente”, contratada pela Maisonnave Companhia de Participações para realizar o laudo de cobertura vegetal, é a mesma empresa que realizou um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) declarado em parte como “falso/enganoso/omisso” pelo Instituto Geral de Perícias (IGP), em inquérito da Polícia Civil concluído em maio de 2021, no empreendimento da Fazenda do Arado.

Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU). Fonte: Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1cUlsL66A9SOxgfMMaNNA4rTbthAEeG1E/view?usp=sharing

Em consulta aos mapas do CMDUA, descobrimos que a área do empreendimento era considerada Área de Preservação Permanente, porém, em 1994, teve ajuste de limites e passou a ser considerada “área de ocupação intensiva”, autorizando a construção no local. 

Ajuste de limites de UTPs. Ajuste de limites de Área de Proteção Permanente para “área de ocupação intensiva” exatamente no local do empreendimento.

Ainda de acordo com o laudo de cobertura vegetal, a área total do terreno compreende 15,09 ha, sendo que a fração de 4,23 ha está localizada na Área de Ocupação Intensiva, e 10,86 ha estão localizados em Área de Proteção do Ambiente Natural. O laudo analisou somente a fração de 4,23 ha, situada na Área de Ocupação Intensiva, que será diretamente impactada pelo empreendimento, e nesta foram identificadas 76 espécies no local, sendo 49 nativas (67%) e 24 (33%) exóticas.

 

  1. CONCLUSÃO

É antiga a aliança entre o capital e o Estado. Entre banqueiros, empresários, militares, políticos e setores do judiciário, o caso dos Maisonnave evidencia mais uma vez que as classes dominantes, na medida de suas necessidades, se unem em torno de um projeto unificado de poder. Movidos pela ganância irrestrita, sabemos que seus objetivos são a concentração exponencial de dinheiro e poder político. Suas consequências são a dominação, a exploração, a destruição e o extermínio dos povos e dos biomas.

Diante de todas essas questões, relativas tanto aos crimes ambientais cometidos por seu ex-proprietário José Asmuz e a mineradora Depósito Guaporense, quanto aos crimes contra o sistema financeiro nacional, cometidos pelos atuais proprietários da Maisonnave Companhia de Participações, é preocupante que o grupo tenha recebido Licença Prévia para construir um grande condomínio no local. 

Este dossiê traz sólidos fundamentos para subsidiar a necessidade de punição e responsabilização da Companhia Maisonnave de Participações pelos prejuízos causados à população.

 

Todas as notas, fontes e fotos utilizadas neste documento, assim como a íntegra do texto ilustrado em melhor resolução, pode ser acessado e baixado a partir deste link: https://we.tl/t-96lMkWUAm0

 

Federação Anarquista Gaúcha (FAG),
08 de Dezembro de 2022

 

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