FACAGêneroRaça

[FACA] Enquanto umas se contaminam embaixo outros se curam em cima

Mais uma vez expressões da Casa Grande se manifestam nesta senzala que é nossa sociedade brasileira. No estado do Pará, a capital Belém, em meio à pandemia do novo coronavírus em medidas de isolamento total de suas atividades, um decreto do governo municipal editado pelo prefeito Zenaldo Coutinho (PSDB) determinou que trabalhadores e trabalhadoras domésticas passassem a status de atividade/função essencial e assim obrigando-as a permanecer em ritmo normal de trabalho. Isso é um grande absurdo!

Como verificamos na mensagem da rede social do prefeito de Belém, a justificativa é ridícula. Em outros lugares as/os trabalhadores/as da saúde afastaram suas famílias e qualquer pessoa de suas casas para ficar só. Isso se deve aos fatos e evitar qualquer forma de contágio a qualquer pessoa. Lembremos que vivemos em um país que ainda existe o “quarto de empregada” em apartamentos e em casas; os ricos não querem perder seu privilégio de serem servidos enquanto eles “trabalham e produzem a riqueza desse país”. Pois é, minha gente, os ricos acham mesmo que produz algo nesse país, bem, única coisa que produzem é sofrimento no povo.

Não é ao léu que medidas como essas reforcem certos traços desta cultura de subserviência de classe, onde a classe média e a elite brasileira sempre acham motivos e subterfúgios para garantir seus privilégios (vide a campanha do “Brasil não pode parar”), não obstante, reflete àqueles traços mais profundos do racismo e de uma sociedade escravagista, bem como o seu evidente desprezo pelo/la pobre, cujo/a é visto/a como descartável; e, fortes relações desiguais de poder onde a mulher e, em especial, a mulher negra, é a mais pisoteada. A cada ponto explicaremos o porquê?

Cultura de subserviência de classe se trata de um sistema de condutas e normas que escondem e/ou velam as práticas sociais em meio ao cotidiano, ou seja, os efeitos da subjugação, da dominação, da submissão são minimizados e tratados de tal maneira que passamos a aceitar ou nos acostumamos – culturalmente – desde posições de subemprego e subalternação nas relações de trabalho até as piadas que nos inferioriza, pois, somos o setor da sociedade que não teve oportunidade de estudo, moradia, saúde, lazer, ou seja, uma vida digna e que esse sistema de desigualdades e subserviência de classe nos empurra a aceitação de tais condições.

Sendo assim, não é ao acaso que a classe média e a elite brasileira sempre acham motivos e subterfúgios para garantir seus privilégios de classe e isso não é difícil de enxergar em nosso dia-a-dia. A inclusão de trabalhadores e trabalhadoras domésticas como uma função essencial colocando em risco suas vidas em meio a pandemia é a demonstração que para essa elite a vida de quem os servem é descartável, é apenas um número a ser corrigido no FGTS. Esse é um sintoma de uma doença social/cultural crônica.

Não obstante, traços profundos do racismo e de uma sociedade escravagista ainda se desenvolvem não como no passado, mas sim de forma sofisticada e muito mais perversa, hoje. Um recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que o trabalho doméstico remunerado ainda é caracterizado por uma atividade precária, com baixos rendimentos, baixa proteção social, discriminação e até assédio. Mais de 6 milhões de brasileiros dedicam-se a esses serviços como mensalistas, diaristas, babás, cuidadoras, motoristas, jardineiros ou quaisquer outros profissionais contratados para cuidar dos domicílios e da família de seus empregadores. Desse total, 92% são mulheres – em sua maioria negras, de baixa escolaridade e oriundas de famílias de baixa renda. Veja em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf.

Essas relações desiguais de poder onde a mulher e, em especial, a mulher negra ribeirinha é pisoteada, porque, historicamente, o povo preto foi libertado de ser escravo para ser colocado na condição de pobre maltratado. Na região norte, várias mulheres de comunidades das regiões de ilha vão para as metrópoles ou cidades médias para serem domésticas na casa dos patrões (fazendeiros, grandes empresários, políticos, coronéis). Nesse movimento acabam sendo exploradas 24h por dias, tanto na cozinha como na cama. Uma triste realidade da Amazônia profunda, ainda desconhecida pelo Sul e Sudeste. Quantas mulheres estão saindo de sua casa, agora, para ir até a casa do patrão colocando vidas em risco, principalmente, da família dela? Diante desse cenário perverso, o prefeito de Belém fala que segue a lei sobre trabalho essencial, mas olha o que diz sobre trabalho essencial: “1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que,se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”, na verdade ele só quer garantir o privilégios dos ricos mesmo porque o trabalho de uma doméstica não é essencial, o essencial é sua vida em conjunto com a família desta.

E os ricos do Pará sobre nossas cabeças

Enquanto uns ficam horas em paradas de ônibus em risco de contaminação. Enquanto uns ficam na frente das Unidades de Pronto Atendimento (UPA’s). Enquanto uns estão fazendo vídeos para conseguir leitos para seus pais e avós por não terem condições, os ricos do Pará vão de transporte aeromédico, UTI’s voadoras, para ir se tratar em hospitais do sudeste, em outros países ou no oeste paraense. Essa pandemia é contada pelos aviões. Foram aviões que transportaram ricos com coronavírus pelo o país para grandes hospitais e é neles que eles, os ricos, vão se tratar.

Jonas Rodrigues, Diretor Comercial na empresa Líder Comércio e Indústria Ltda; José Santos de Oliveira, Diretor-Presidente do Formosa Supermercados e Magazine Ltda; Kleber Ferreira Menezes, ex-secretário de Transportes do Pará (SETRAN) e Diretor Executivo da BRINCK logística ficaram famosos em matéria da Época. Eles foram se tratar do Covid-19 em outros lugares fora de Belém, pois os hospitais da cidade se encontram lotados de pacientes com sofrimentos ocasionados pela coronavírus.
Muito se tem falado, principalmente pelos bem-de-vida, que a doença é “democrática”. Bem, de fato, o vírus não fetiches para contaminar por raça, gênero ou classe, MAS o tratamento, sim! Na estabilidade e no caos do capitalismo quem reina é a desigualdade.

Queres entender o que os ricos pensam disso tudo? Certo. O Guilherme Benchimol, presidente e fundador da XP Investimentos, em transmissão ao vivo ao Estado de S. Paulo disseram que “o Brasil estava indo bem no controle do coronavírus e que o pico da doença nas classes altas já passou”. É isso. Mas quem fica no chão só faz sofrer. Lembremos que o primeiro caso público de morte no Rio de Janeiro foi de uma empregada doméstica. Ela trabalhava em uma casa no Leblon, tinha 63 anos, hipertensa e diabética e pegou o vírus (desenvolveu a doença covid-19) por meio de sua patroa que veio da Itália e estava com a doença.

Para os ricos tudo vai bem quando eles estão bem. Assim como herdamos a desigualdade, herdamos a revolta. Barrar essas ações que reforçam o racismo, o patriarcado e a desigualdade é nossa tarefa. Por uma vida justa e alegre contra as políticas da morte do estado e do capitalismo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *