CALAConjuntura

[ARGENTINA] E AGORA?

Posicionamento do anarquismo organizado contra o que está por vir na Argentina.

Milei finalmente venceu, resultado de um sistema de democracia representativa decadente, o que implica a possibilidade real de retrocesso de conquistas e direitos populares. Um projeto para os de cima votado pelos de baixo. E nosso posicionamento reafirma a linha de enfrentamento e superação do imobilismo gerado pelo medo deste avanço de setores da extrema adireita, reacionários, ultraliberais. Mas a derrota não foi eleitoral e nem aconteceu neste último domingo.

Para que uma opção política de extrema direita tenha crescido, a derrota é cultural e ideológica e já se arrasta há muitos anos, principalmente pela “retirada” de grande parte dos projetos emancipatórios, sem falar dos progressistas, da maioria dos bairros populares e dos sindicatos, da ausência de uma ideia concreta de como enfrentar este sistema capitalista, e de um projeto revolucionário que confronte profundamente a máquina de empobrecer gente chamada neoliberalismo. Onde o Estado foi incorporando e institucionalizando inúmeras ferramentas dos de baixo, levando para o seu campo toda ação política e transformando as urnas no único horizonte possivel de ação política. Essa falta de rebeldia, de presença insubmissa, de luta social, foi preenchida com retórica pseudo-fascista e ultraliberal por um punhado de economistas e expressões reacionárias. Num contexto também marcado pela crise econômica, pela crescente desigualdade e pela exclusão de grande parte da população do acesso às suas necessidades mais fundamentais.

A ascensão de Milei à cadeira Rivadavia gerou uma série de sensações duras que vão desde confusão, incerteza, uma perspectiva de catástrofe e, fundamentalmente, o medo. Medo da implementação de medidas e consignas expressas pelos seus candidatos durante toda a campanha eleitoral, algumas absurdas e outras parte do repertório dos setores reacionários e antipovo da história de nosso país. 

Estamos falando da retirada de direitos, misoginia, comercialização extrema de todos os aspectos da vida (mercado de órgãos, de crianças, etc), aplicação das doutrinas de choque e grande parte do roteiro da Escola de Chicago. Sobre isso, já alertou que “não haverá gradualismo”. Entre os aspectos mais graves, também estão a exigência da repressão ilegal durante a última ditadura e a possibilidade de um indulto aos genocidas, o que estará alinhado com a repressão aberta aos protestos e encher as prisões com lutadores sociais.

Em princípio, decidimos que não deveríamos subestimar o inimigo nem negligenciar sua capacidade de constituir uma força política e social proporcional ao tamanho de seu projeto. Existe hoje uma série de elementos a considerar sobre o ponto de partida desta novidade política. Em primeiro lugar, La Libertad Avanza já não tinha influência territorial, não obteve governos próprios, nem sequer uma prefeitura em todo o país, portanto, nos primeiros meses de governo não tinha estrutura territorial para afrontar uma avançada de ajuste contra os de baixo. Se se pudesse pensar que Macri vai contribuir com algo estrutural (ainda não se sabe sobre possibilidade governo em conjunto Milei-Macri), embora pudemos perceber como o acordo após as eleições gerais acabou prejudicando uma parte importante dela e deixou um PRO dividido em todo o país.

Milei também poderia parasitar alguma outra estrutura política ou poderia avançar na criação de uma coordenação com governadores e prefeitos, comprometidos com o pragmatismo do Estado, mas hoje isso não passa de uma conjectura. Sim, devemos levar em conta um fato real, que é que a vice-presidente eleita tem se movimentado, além de buscar impunidade dos repressores, no sentido de organizar um bloco político ou partido que represente a família militar. 

Por outro lado, Milei até hoje não tem base organizada em sindicatos, movimentos sociais ou organizações civis. Também não tem  capacidade de mobilização orgânica. O eleitor não é um militante, mas apenas um agitador, pelo menos até agora. La Libertad Avanza não conseguiu formar uma força política orgânica (já vimos como cada membro dá a sua opinião a qualquer momento sobre qualquer assunto e com qualquer posição). Encheram as ruas em seus últimos comícios de campanha e nos principais centros urbanos do país a vitória eleitoral foi pouco conhecida. Milei não poderia gerar mobilizações unitárias sob uma estratégia específica. Ao menos não no curto prazo.

Neste país, o único ator ou força social que conseguiu se impor em todos os níveis para aplicar com sucesso as medidas antipovo foram os militares, através das sucessivas ditaduras. Macri tentou – com certo aparato – intervir nos sindicatos, criminalizar os protestos, avançar com reformas antipovo, políticas selvagens de ajutes, sem conseguir chegar ao fundo da questão, já que as mobilizações de 2017 contra a reforma da previdência foram – apesar da derrota – um marco de resistência.

Macri não conseguiu mexer nos Acordos Coletivos nem foi capaz de aplicar uma reforma trabalhista integral. Milei, com muito menos aparato, não conseguirá, a princípio, reunir quórum num congresso onde seja minoria. Além disso, se passar por uma enxurrada de decretos, vai bater de frente com o Supremo Tribunal que, embora coincida com vários eixos do governo, não tem interesse em ser exposto a uma progressão da ilegalidade e violação de direitos, que as políticas de La Libertad Avanza tentam trazer. Finalmente, indo a uma situação extrema, é difícil pensar que Milei tenha poder suficiente para promover um auto-golpe bem sucedido, como aconteceu com Fujimori no Peru.

Da mesma forma, vale notar – com preocupação – que Milei não tentou moderar seu discurso, nem mesmo na reta final da campanha, por isso alertamos que ele está decidido a executar pelo menos uma parte de seu plano de ajuste contra o povo. Acreditamos que isso dará início a um período maior de instrabilidade política, social e econômica; perseguição aos protestos e prisão de militantevs; de dar excludente de ilicitude às polícias estaduais (como aconteceu com Bolsonaro), de incentivar as transnacionais – com aval dos governadores – a aprofundar o modelo extrativista, saquear recursos, destruir o meio ambiente e avançar sobre as populações locais; reforçar a reprimarização da matriz econômico-produtiva do país e a desindustrialização; avançar na privatização de todas as áreas do setor público, tentar impor uma reforma trabalhista selvagem, atacar o direito à interrupção gratuita da gravidez e à educação sexual integral

Companheiros e companheiras, chega o momento de redobrar esforços e apostarmos na unidade mais ampla de nossas organizações, no marco de uma estratégia de luta popular, nas ruas, baseada em planos de ação e medidas de força. Mas é necessário reconstituir a fragmentação e o individualismo que foram corolário para levar essa figura ao governo. Não adianta pregar pra convertido. É nossa tarefa dialogar com cada colega de trabalho, cada vizinho e vizinha, sempre a partir da luta e da organização de base. Não perseguir ou condenar colegas por terem ido votar em um ou outro candidato. É necessário reforçar nossa estratégia que visa fortalecer a confiança em nossa própria força, na nossa própria capacidade de ação, na ação de nosso povo e suas organizações. Preparar o caminho para uma resistência ativa, organizada e principalmente solidária, contra o avanço cada vez mais agressivo dos de cima.

Aqui é mais provável que um bom número de sindicatos e organizações sociais estejam dispostos a sair às ruas antes que avance uma reforma antipovo. Não é de se estranhar que desenvolvam articulações entre setores combativos da CGT como os bancários, caminhoneiros, petroleiros, com setores da duas CTA (Central de Trabalhadores e Trabalhadoras da Argentina) com os servidores estatais, professores e trabalhadores da saúde puxando a frente. Os movimentos sociais, organizações estudantis, ambientalistas e órgãos de direitos humanos estarão alerta e na linha de frente caso as forças ultraliberais queiram tirar nossas conquistas.

“… a liberdade de oprimir, de explorar, de obrigar as pessoas a fazer o serviço militar, a pagar impostos, etc, é a negação da liberdade; e o fato de nossos inimigos usarem de forma tão oportunista e hipócrita a palavra liberdade não é suficiente para nos fazer negar este princípio, que é o caráter distintivo de nosso Partido, que é o fator eterno, constante e necessário à vida e ao progresso da humanidade.
Liberdade igual para todos e o direito, portanto, de resistir a toda violação da liberdade, e resistir com força brutal, quando a violência se baseia na força brutal e não há melhor meio de se opor a isso com sucesso…”

Errico Malatesta – “La questione Sociale” 25 de novembro de 1899

Organización Anarquista de Córdoba – OAC

Federación Anarquista de Rosario – FAR

Organización Anarquista de Tucumán – OAT

Organización Anarquista de Santa Cruz – OASC