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SÓ O POVO SALVA O POVO… DA LAMA E DO DESASTRE CAPITALISTA.



As últimas estimativas do colapso ambiental do RS marcam de mais de 2 milhões e 399 mil atingidos, cerca de 581 mil desalojados e 55 mil abrigados. Das 497 cidades do estado 461 sofreram danos. A defesa civil do estado informa 169 mortes e 56 pessoas desaparecidas até o dia 26 de maio.

Cidades foram arrasadas no vale do Taquari e região metropolitana, a circulação foi interrompida por deslizes e alagamentos em muitas estradas, bairros populares da classe trabalhadora estão inundados desde o começo do mês. E todavia o tempo não estabiliza e continua fazendo água e agravando a catástrofe climática sobre a vida de muita gente.

Desde o princípio uma gigante mobilização popular respondeu imediatamente ao chamado de socorro das comunidades do RS atingidas pela devastação capitalista no meio ambiente que arrebenta com uma mudança climática sem precedentes. Em várias regiões gaúchas, se formaram sem demora, grupos de resgate de famílias com a casa tomada pela enchente, abrigos emergenciais para os desalojados, cozinhas comunitárias produzindo marmitas, centros de distribuição de roupas, mantimentos, materiais de higiene, todo tipo de assistência à saúde de trabahadores da área, transporte e casas solidárias.

Toda uma rede popular de apoio mútuo foi armada e entrou em funcionamento em tempo recorde para acolher o flagelo e o desespero de quem perdeu tudo e teve que correr pra não perder a própria vida. Nessa cena se destacam muitos bairros e vilas da periferia que não foram atingidos diretamente e fizeram um mutirão histórico pra salvar os seus iguais que são castigados pelo sistema dominante que está na raiz da crise ambiental e climática.

Os gestores do capitalismo do desastre não nos dão saída.

A máquina do Estado e seus governos neoliberais brilham pela omissão e depois que a merda toda subiu com as enxurradas e enchentes não havia sistema de proteção, obras, cuidados e serviços públicos fortalecidos para impedir a tragédia anunciada. Os trabalhadores do setor público fazem uma peleia sem fim nesse cenário devastador que foi precedido por decisões políticas que cortaram verbas, reduziram servidores, terceirizaram e precarizaram serviços, acabaram com a pesquisa e as normas ambientais, privatizaram infraestruturas vitais para o bem comum.

O governador do RS Eduardo Leite explicou que recebeu o alerta climático mas tinha “outras agendas”, estava comprometido com as pautas empresariais, com o desmonte ambiental pro agronegócio e a invasão da soja em metade do território do estado. O prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo diz que não se mete com o mercado imobiliário quando o assunto é moradia digna pros trabalhadores, o capitalismo não é problema dele.

Por outro lado, o governo da frente ampla do presidente Lula e os partidos governistas rejeitou na metade do mês a anistia da dívida estatal de mais de 95 bilhões que enforca o RS desde os anos 90 e que instalou um regime fiscal de cortes sociais do orçamento para pagar os parasitas do sistema financeiro. O congresso nacional aprovou a suspensão por 3 anos do pagamento da dívida, mas negou a anistia, para não desagradar o mercado.

A classe capitalista do topo da pirâmide social, o imperialismo, os donos da riqueza e do poder e seus auxiliares, são a mão invisível da catástrofe que nos afoga nessa hora tão dolorosa. É o neoliberalismo do cada um por si na concorrência do mercado e o Estado policiando e protegendo o direito da propriedade burguesa de devorar o que é coletivo e social, de cortar direitos e passar a boiada por cima de tudo. E nessa estrutura burguesa dominante, os políticos governam com o sistema, negociando no balcão dos ricos e das oligarquias do poder estatal, ou são governados por ele sem cuspe. A encrenca é sistêmica, trocar as peças da máquina ilude por um tempo cada vez mais curto e frustrante, para enfrentar isso uma mudança social tem que tocar no fundo do modelo de sociedade. Ou se muda tudo ou não se muda nada.

Povo pelo povo é auto-organização que vem de baixo e luta pra que paguem as classes ricas

É participando e se ajudando muito como povo que nos salvamos na hora que o sistema arrebenta a saúde do planeta e afoga os trabalhadores e as suas comunidades na calamidade. Mas na hora da reconstrução o movimento popular vai ter que cobrar a conta de quem deve e tirar do montão da riqueza tudo aquilo que falta para sua comunidade e o meio ambiente. Para não voltar para a vida precária e miserável que os pobres são confinados pelo modelo de negócios das grandes construtoras, interesses financeiros e os políticos burgueses.

Outra cidade, outro mundo, vai ser obra da luta de classes pra sacar das rendas e fortunas dos capitalistas do desastre os meios para justiça social e ecológica. Para isso a política certamente vai ser muito decisiva, a mobilização popular tem que ganhar o poder de uma democracia direta e de base que não entregue as decisões para os partidos e os gestores do sistema que nos liquida.

Em publicação recente na mídia do Repórter Popular uma reportagem destaca como a solidariedade de classe dos trabalhadores com o povo atingido pelas chuvas e enchentes no RS é muito maior e mais engajada do que as doações que realizaram poderosos empresários. A cota de ajuda proporcional a renda que percebe um empregado de 1 ou 2 salários mínimos supera em muitas vezes a caridade patronal. Ver no link https://reporterpopular.com.br/sao-os-super-ricos-de-fato-os-mais-solidarios-diante-da-tragedia-no-rs/

Para as classes ricas e poderosas o povo sempre é o empregado, o subalterno, quem entra pela porta de serviços, o peão da linha de produção, o arigó da roça, a comunidade negra e periférica, as mulheres da faxina e do cafezinho. Pra esse sistema o que único que vale é a luta individualista e competitiva de todos contra todos. Povo tampouco é a figura do “cidadão de bem” ou os “patriotas” do mercado usada pela demagogia dos políticos e burgueses neoliberais da extrema direita que são o partido mais violento e reacionário do mesmo sistema que nos afoga. Para o bolsonarismo povo é quem bate palmas e lustra as botas do capitão, do agronegócio e do banqueiro, os arquitetos da devastação ambiental do capitalismo.

Não temos dúvidas que o grande mutirão alerta e incansável na solidariedade foi movido pela energia popular. O povo que mais uma vez atravessou o medo, os traumas e as dores da destruição para não deixar ninguém desamparado. Povo que doou o pouco que tem, tanto de dinheiro, quanto de tempo, para ajudar na reconstrução da vida do seu vizinho, colega de trabalho ou companheiro, sem pedir nada em troca, além do exercício da solidariedade de estender a mão, em um momento de catástrofe, na qual todos nós, os/as de baixo, sentimos na própria pele, o projeto arquitetado pelas elites de destruição das nossas vidas e dos nossos sonhos. Cada moradia invadida pelas águas foi também invadida por toda e qualquer ação de destruição do meio ambiente, realizada pelos capitalistas sanguessugas, as mudanças nos códigos ambientais, o desmatamento, a construção avassaladora de hidroelétricas, entre outras iniciativas .

É bom lembrar, que tal projeto neoliberal de destruição da vida e do meio ambiente busca privatizar e destruir os serviços básicos essenciais, como a energia elétrica, a água e a educação. Em poucos anos, o governo Leite privatizou a Ceee e a Corsan e há inúmeros projetos Brasil a fora de privatização da educação pública.

A precarização dos serviços públicos municipais e estaduais (Dmae, Defesa Civil, entre outros) favoreceu tanto a força da enchente (técnicos especialistas alertam que se o sistema de bombeamento municipal estivesse em funcionamento normal, as águas do Guaiba não teriam invadido grande parte da cidade), quanto a falta de assistência aos desabrigados e atingidos pela enchente.

Por isso, defendemos que os serviços públicos devem ser públicos, universais e populares, com controle de base. Que o bem comum deve ser decidido e planejado pelos trabalhadores e a comunidade, através de delegados escolhidos e revogáveis das organizações de classe e movimentos populares. E nesse sentido, para nós, a ideia do povo pelo povo também abraça a defesa dos serviços públicos e seus servidores e rechaça toda e qualquer forma de privatização e intromissão do mercado e do empresariado, como, por exemplo, a consultoria da Alvarez e Marsal.

Para além disso, Povo salvando o povo, no sentido forte, emancipador e radical do drama popular que se vive com tanta intensidade, toma todo seu significado nas práticas de apoio mútuo, solidariedade e auto organização popular. Povo pelo povo, para quem peleia uma mudança, é imaginário de Poder Popular e Libertário, de política coletivizada e organizada de baixo pra cima, de autogoverno das massas pela participação fundamental e as demandas do movimento popular.

Na história das lutas sociais, povo pelo povo atualiza a memória e reencarna a resistência indígena ao invasor colonialista, a confederação de quilombos contra os escravistas, é a experiência do movimento dos trabalhadores e o projeto socialista de autogestão que nasceu das suas entranhas. O apoio mútuo entre os explorados e oprimidos foi o solo fecundo de uma luta que, a duras penas, também ousou passar da defesa ao ataque, unir as forças que vem de baixo, marcar reivindicações e batalhar conquistas, construir formas de vida coletiva e justa que nos separam e colidem com o mundo burguês dos ricos e privilegiados. Luta pela socialização dos meios de produção, da tomada de decisão sobre o que é comum e por todas as liberdades individuais e coletivas que a igualdade radical pode criar.

“Fracassaram os povos que buscaram um homem que os libertasse da miséria e da tirania. Não vou buscar um homem que me salve, senão em pessoas que se salvem. Eu não confio em um homem que conceda a liberdade, senão em pessoas que a tomem por sua própria conta. A emancipação dos oprimidos deve ser obra dos próprios oprimidos.” Ricardo Flores Magón

Federação Anarquista Gaúcha